terça-feira, 9 de junho de 2009

Frustração pega!

Texto revisto em: 22/08/2010
Colaboração de Tarcizio Barbosa.

[Duas grandes amigas se encontram.]

- E o Valdir?
- Morreu!
- De quê!?
- Frustração.
- Quando foi enterrado?
- Não foi, está lá em casa.
- Morto? Quanto tempo? Nem me liga pra ir ao velório, amiga! Que barra, tadinha!
- Tem uma semana já.
- Credo, e ele não fede?
- O que mais fede é saber que existe algo dentro de casa que não serve pra nada. Nem pra feder.
- Ah, que susto, amiga. Entendi a metáfora, louquinha. (risos) Eu sempre achei que ele vivia de braços cruzados.
- Nem pra dar cecê naqueles braços cruzados serve.
- Ele desistiu da vida?
- Eu não tenho o direito de entender o que se passa com ele. Mas consigo pelo menos entender quando penso em...
- Te admiro. Tem um marido inválido e...
- Guarde tua admiração, por favor!
- Caladinha! - fazendo o sinal de zíper na boca logo em seguida. Não falo mais nada.
- Eu quero também ficar calada, mas preciso fazer você entender pelo menos que existe duas maneiras básicas de resolver o que fazer da própria vida.
- A primeira é cada um cuidando da sua vida, né? Não precisa escrachar, entendi o recado.
- Não era isso que eu queria falar. Mas, está ótimo assim.
- Ai, amiga. Estou achando você tão amarga!
- Pois é, me frustrei também, infelizmente só damos valor a alguém quando perdemos.
- Está falando do...
- Sim!
- Mas você sempre foi ótima pra ele.
- Sim!
- Então, não se deprecie assim.
- A perda foi minha. Eu sei o quanto é terrível isto e, tenho certeza que existiu uma razão plausível pra ele não querer mais viver. Eu poderia ter evitado se tivesse amado mais.
- Que absurdo! Você já fez de tudo por ele.
- Sim!
- Pára de responder só "sim"! Fico sem como continuar a conversa.
- Não!
- Vem cá amiga, deixa eu lhe falar uma coisa! O Valdir não morreu, apenas está adormecido. Amor faz milagres. E se foi a falta dele, então resolve menina!
- Sim!
- ... Você está me desconcentrando.
- Não vou pedir desculpa. Disse que ficaria calada.
- Você perdeu o amor mesmo. Vou correndo comprar flores pra ele, coitado. Assim, até eu quero deixar de viver ao teu lado.
- Flores não, pelo amor de Deus! Não faça isto. Está morto, mas morrer aquela rinite chata que faz ele roncar a noite, isto não! Aqui está o remédio que acabei de comprar pra pingar no nariz dele.
- Aquele caro?
- Sim!
- ... Merda!
- Sim?
- Você já notou a quantidade de goma de mascar que tem debaixo deste banco, aqui na praça? Grudou um na minha mão.
- Colei um aí ontem.
- Credo, Rô! Você perdeu mesmo o amor, e mais, a noção da vida... pera aí, meu celular está tocando. Alô? Quê? Espera um minutinho... Rô, você não me disse que o... Estou com a Rô aqui na praça, Valdir. Sim! Elá está aqui comigo. Ahn? Sumida há três dias? Vou passar pra ela.
- Não!
- Ela não quer falar com você. Praça de Coqueiral. Sim, estamos. Está bem, tchau! Rô, ele chegará daqui uns minutos.
- Sim.
- Minha filha, você não me disse que ele está morto e tal? Acabei de falar com ele e está com uma voz ótima. Que loucura! Espera aí, quero ver direito este medicamento. Me dê a sacola, vai!
- Aqui, olha.
- Nossa! Este de caixinha vermelha é muito caro. Mas é ótimo pra desentupir o nariz! Mas aqui amiga, ele disse pelo celular que vocês brigaram. É o fim? Já tem tempo que vocês não estão bem. Graças a Deus que não tiveram filhos! Já pensou? Esperai aí, Márcia! Não precisa chorar, vá! Não falei este lance de filhos por mal. Vem cá.
- Nããããooooo!
- Ok! Não está aqui mais quem fala. Estipulei uma meta pra levar a minha vida com menos estresse e estou me desobedecendo. Pronto! Vou viver a minha vida, embora ache que você faz parte dela afinal, somos amigas desde criança, não falo mais nada sobre o que se passa. A não ser caso você não queira saber o que penso.
- Até hoje, você sabe driblar meus ataques infantis. Estou aqui, chorando de raiva querendo lhe contar as duas maneiras de como podemos levar a vida e você finge nem estar aí para as minhas filosofias de merda. Sempre me irritei com este teu falso descaso.
- Olha lá o Valdir, estacionando o carro. Mas Rô, eu já sei o que você vai dizer. Lembra-se quando...

[Chega o marido]

- Valdir, sai daqui! Não quero mais falar contigo!
- Calma, Rô, deixa eu ir aí falar contigo, por favor!
- Rô, então pra que você comprou o remédio pra ele?
- Eu comprei pelo meu plano de saúde como se fosse pra mim. Ele largou o emprego, deixou de cortar as unhas, fazer a barba e ir ao salão cortar o cabelo, apenas, toma banho, pois foi minha condição inicial pra conviver com ele sem ter que mandar ele de volta pra'quele casarão dos pais, que ele tanto odeia.
- Valdir, meu filho. Que merda é esta? Desistiu da vida?
- Não, Márcia, apenas não quero mais insistir. Quando as coisas se resolverem no tempo que julgar necessário, já terei partido. E morto, metafórico ou não, agradecerei o tempo que se julgam perdido. Afinal, sempre viveram por mim: Escolheram minha profissão, minha roupa, meu modo de falar, meus filmes pra assistir, os livros pra ler, felizmente, a única peça fundamental que me estimula a continuar vivo, e feliz, a qual pude escolher, é a Rô.
- Pois é, Rô, olha que lindo isso que teu marido acabou de dizer. Estou emocionada. Sei que não se vive de romantismo, mas vocês vão sair desta pra melhor!

[depois de um breve silêncio]

- Sim! Mesmo porque, só existem dois jeitos de se levar a vida...
- Ah, é amiga! Estava me esquecendo, conta! Aproveita que o Valdir falou esta frase de efeito super romântica, dê a tua deixa!
- Pois então, o primeiro jeito é...

[chegou um moleque armado, ateou três tiros contra Rô, matando-a. Depois roubou os dois sobreviventes]

- Inspirado no texto de Leandro Bacellar, que se encontra neste endereço: http://leandrobacellar.blogspot.com/2009/04/desistencia-vida-normal-uma-conversa.html

3 comentários:

  1. Uau. sem palavras pra responder-lhe. De certo propus uma certa violência ás suas idéias. Mas por fim agradeço e me sinto honrado pela delicadeza do gesto. I liked!

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  2. Coqueiral de Itaparica é violento em si. Minhas idéias foram só uma retratação.

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